PASÁRGADA PODE SER AQUI...
Ana Maria Moreira
Conceição,
Em nosso país ainda ecoa o grito: “té tumê!
Você não tem ouvido?!
Você precisa escutar esse apelo!
Cadê a sua coragem, a sua predestinação?!
Onde está Rosa?!...
E Irene?!...
E a rua do Sol?!...
Parece que tudo sumiu...
Ah, Conceição, é de desesperar a triste realidade...
Há brasileiro clamando por piedade...
Nosso povo vem perdendo de vista a estrela da manhã
Vem esquecendo o sonho de construir a nossa Pasárgada.
Vem renunciando à mulher que quer
e raramente pode escolher a cama para repousar.
Do rei nunca pôde aproximar-se
e bem pertinho sente a ronda da desesperança a ameaçar.
Na brutalidade do sistema, cambaleiam vultos de Chico Bento.
Na poeira da estrada, vacilam rostos enlameados de fatos.
Que dolorido é lembrar a primeira vez que vi Chico,
Pensei que ele fosse um homem,
mas homem escolhe o caminhar.
Pisa forte e livre. Enxerga verde.
Cruza o mundo com o olhar.
Ergue o peito e a voz.
Homem é o sujeito da sua própria história.
E história soma mudança.
Aqui história e mudança somem.
Some dignidade. Some vida. “Voa fumaça”.
A segunda vez que vi Chico, achei que ele fosse um bicho.
Talvez rato, talvez calango.
Calango se perde na poeira da seca.
A seca seca a vida.
Secam duquinhas por lá...
Secam alegrias por cá...
A terceira vez não vi Chico.
Nuvem escura foi pro céu.
Chico... nuvem... chumbo...
Há sempre um Chico esperando chuva ... verde e mansa...
Chico chuva chuvavém.
Chuva lava o sertão.
Chuva lava a dorpra renascer o coração.
Chego a pensar em “galho de ingazeira/ debruçada
no riacho/ Que vontade de cantar.”
Um canto forte. Que enfrenta a má sorte.
Muda o rumo. Empurra o fantasma da morte.
E viaja pelo Brasil em um trem
Com muita força...
muita força...
muita força...
E lá se vai Conceição
sem falas proverbiais...
sem Amarais para mandar..
Quando o Capitão Rodrigo
Em Santa Fé veio aportar
Fez Padre Lara tremer
E Bibiana enluarar...
E Conceição continua o seu caminhar
Com ela vai algum Chico preparando a sua morada
na rua da União.
“Vai também João Gostoso carregador de feira livre”
livre da opressão que anula o humano do ser.“
Vai Maria Elvira sem sífilis,
com os dentes arrumados.”
Vão prostitutas bonitas para a gente namorar
Cordulinas, Quitérias, Boaventuras
Tanta gente que caminha à procura de algo.
E eu também vou...
Em minhas retinas passam Chicos...
Passa os poderosos nutridos.
Esses regalam-se travestidos de europeus.
Afortunados e empobrecidos
na disputa da casa grande.
Perdem o trem da existência, o trem da vida,
contabilizando o vil metal.
O país necessita de mais Conceição
Para segurar as mãos estendidas e pedintes
Beijar rostos emurchecidos
Proferir palavras de fé nos ouvidos ensurdecidos de ódio
Impedir o “debut” da menina na forma cruel do estupro
Prevenir a substituição da boneca pelo rebento
que vai ensinando a mãe a levá-lo...
O eco da miséria seria fraquinho, nem existiria
se a justiça saísse à rua, imparcial,
com uma imensa rosa na lapela.
Uma pétala para Chico
outra para Conceição
uma lágrima para o açude
para alagar o sertão.
Um perfume para a esperança
renascer no verbo amar
Três vezes salve a abastança.
A Vida não há de se acabar.
AUTORIA: ANA MARIA DA SILVA MOREIRA ( Nascido da leitura de O QUINZE, ( de Rachel de Queirós) O GRANDE MENTECAPTO, ( de Fernando Sabino), LIBERTINAGEM E ESTRELA DA MANHÃ, ( de Manuel Bandeira ) e UM CERTO CAPITÃO RODRIGO, (de Érico Veríssimo ).